quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Sou baiano também...



Escrevi meu primeiro conto inspirado no filme “Céu De Suely” de Karim Aïnouz, na música Rebento de Gilberto Gil, no livro “Capitães da Areia” de Jorge Amado, indicado pela minha dentista sob o argumento que assim eu entenderia melhor a Bahia e seu povo, e pelos dias que passei em Salvador, e foram inesquecíveis...principalmente pelos amigos que encontrei, reencontrei e os que já faziam parte constante da minha vida.



Céu de Pedro
O mar é dentro dele, quebra mais fundo ainda.

Pedro era só silêncio, ainda que alguém mais perceptivo escutasse o rebento que trazia em si, e a imensidão do som nesse momento.
Pousou os olhos na luz que manchava o céu. Manchava tudo, tornando inseparável o mar, o sol, o céu, o barco imóvel - tudo unido. Acha graça, parado, concentrado no rebento marítimo que percorre todo seu corpo e que se fixa na mente. Ri timidamente a ponto de se julgar bobo, ainda que o mar venha das profundezas de uma existência que ele desconheça, e cause mais medo que alegria... Toda aquela paisagem maltratava-o. Onde viam um presente da natureza, Pedro percebia apenas um exuberante egoísmo, e uma irritante necessidade egocêntrica de beleza que emanava não sabia de onde. Por isso seu silêncio enquanto todos aplaudiam, celebrando mais um crepúsculo, mais um presente divino, como acreditavam.
Pedro sentia falta do amor, afinal tanto rebento pedia a existência de outra manifestação, ainda maior, capaz de abarcar tudo que fazia de sua vida uma simples e insignificante existência. Lembrou-se de quando sentiu amor e vontade de cuidar, e mais ainda ser cuidado. Anos de flagelo, muitas vezes causados pelo próprio, no entanto, transformaram-no num rio trôpego, incapaz de seguir seu rumo natural, estabelecido pela benevolência divina, como aprendera. Sofria... E era um sentimento arrebatador, silencioso, mas poderoso, e daí o maltrato imenso, capaz de escancarar sua renegada impotência infantil. Continuava em silêncio. Era incapaz de dizer uma palavra, e as que se atreviam sair de sua boca – forçadas pelas contrações involuntárias dos músculos de sua face -, soavam burras, em colapso com o turbilhão silencioso que boiava na pequenez de seu corpo.
Lentamente, ainda hipnotizados pelo que acabaram de presenciar, ou mesmo seguindo aquilo que consideravam um ritual em que todos os movimentos devem ser executados sem pressa, pausadamente, as pessoas foram levantando e seguindo seus destinos, os quais Pedro considerava nobres, pois estavam embebidos por um respeito à lógica divina que não aprendera, e provavelmente nunca aprenderá, pois era diferente, e sabia disso. Só não enxergava a possibilidade de ser tudo isso sintoma das espécies a que fazia parte, as ditas frágeis, que lutam por um amor diferente, e calam quando precisam gritar. Pedro era frágil e queria escancarar ao mundo o que sentia, dizer aos quatro cantos que gemia calado, que a água que bebia só o afogava, e que o mar que admiravam estava dentro dele a rebentá-lo. E o que queria não era piedade, ou uma atenção meramente caridosa, pois caridosos eram “sapos disfarçados de príncipes”. Queria uma mão firme, capaz de erguê-lo em vôo leve. E sabia poder recompensar depois, bastava que confiassem nele.


Foi quando subitamente Pedro já não se distinguia mais da paisagem, era rocha e era mar. Era também sol e céu. Assim como observara quando pousara seus olhos tristes no crepúsculo, no instante que prenuncia a chegada da noite e seus mistérios. Agora brilhava mais que as próprias estrelas que surgiam timidamente, ainda que poucos notassem. Afinal, também eram poucos que sabiam Pedro carregar uma estrela no lugar do coração. Assim como Dora...

4 comentários:

Tiago Elídio disse...

q lindo texto! =)
acho mt interessante essa forma de ligar pequenas percepções da natureza a indagações de sentimentos... a descrições de sensações! =)

Larissa Ballarotti disse...

Eu vi pedro fundir-se ao pôr-do sol!

Anônimo disse...

Deveria Pedro transformar impotência em confiança? E confiante transbordar seu mar, desejoso de si e de mais? E amando(-se) transformar suas mãos em asas?

Henrique Cartaxo disse...

Vim aqui, finalmente.
Bonito.