sábado, 4 de julho de 2009

PINA


Dance com ela
Um câncer levou Pina Bausch, aos 68 anos. Fica a imagem da alemã que revolucionou a linguagem da dança moderna

SAYONARA PEREIRA

O nome da bailarina e coreógrafa alemã Pina (Philippine) Bausch, que nasceu na cidade de Solingen em 1940, foi sempre associado diretamente a sua condição de criadora e mentora da dança teatral contemporânea. Suas peças coreográficas têm sido apresentadas nos quatro cantos do mundo, para plateias deslumbradas, e sua obra já foi analisada por vários pesquisadores, em prosa e verso. Fotógrafos lhe dedicaram livros de fotos; documentários e filmes foram rodados sobre esta brilhante coreógrafa e seu maravilhoso e diversificado Ensemble sediado na cidade de Wuppertal, na Alemanha.Poucos são os coreógrafos capazes de tocar profundamente a alma humana com suas criações, Pina Bausch encontra-se neste seleto grupo que consegue trazer para a cena situações cotidianas, questões que emergem dos sentimentos mais densos do homem, apresenta-os com uma caligrafia única e cria momentos de poesia.A temática abordada pela dança teatral de Pina Bausch, ao longo de mais de três décadas, manteve sempre a mesma essência. Somente a ótica, pela qual os temas são tratados, modificaram-se sutilmente, talvez como o estado de ânimo do homem contemporâneo, que mesmo com todos os progressos tecnológicos ainda se emociona com os mesmos temas: amam, sentem medo, são solitários e sentem saudades.Pina foi aluna de Kurt Jooss (1901-1979), coreógrafo alemão e fundador do departamento de dança da Folkwang Hochschule na cidade de Essen – Alemanha, escola onde Bausch fez grande parte de sua formação e deu início as suas criações.Com Jooss, Bausch aprendeu sinceridade, e a lapidar as qualidades já existentes nos corpos dos intérpretes-colaboradores que vieram a protagonizar as suas 49 peças ao longo desta fértil trajetória criativa.Bausch flexibilizou e alargou todos os conceitos relativos à dança cênica existente, e podemos dizer que seu trabalho é um “divisor de águas” entre o que existia até a década de 70 e o que passou a existir a partir de então.As cenas desenvolvidas em suas peças coreográficas foram situadas em lugares muitas vezes ecléticos como: um campo de cravos (Nelken, 1982); uma reunião de pessoas, em volta de uma mesa, todos com água até a altura dos tornozelos (Arien, 1979 ), tendo um hipopótamo como convidado; em uma sauna (Nefés, 2003). onde ao longo da peça bolhas de água brotam do chão. São incontáveis os lugares inusitados que somos convidados a passar e conhecer.Suas peças coreográficas, compostas de uma gama de associações, de pequenas histórias, trazidas por seus intérpretes, muitas vezes autobiográficas, conseguem estabelecer ligações com as nossas próprias histórias. E esta proximidade nos dá oportunidade de rirmos de nossa própria solidão ou chorarmos por uma cena que nos remeteu de volta às lembranças longínquas de nossa infância.Pina Bausch introduziu o uso da palavra na cena a partir dos anos 1980 e sabia lidar, de forma brilhante com códigos estabelecidos a partir do gesto e da voz, responsáveis não só pela performance do espetáculo, como também pela linguagem, expressividade e estética cênica .Seus espetáculos sempre deixaram o público muito curioso, emocionado, próximo e tocado verdadeiramente por todas aquelas imagens belas, sensíveis, surreais ou grotescas presentes em sua obra.Bausch sempre se interessou em observar pessoas e seus respectivos comportamentos, por todos os lugares do mundo por ande andou, importando-se com o que move as pessoas e não como elas se movem.Achava ótimo que a dança não fosse apenas bonita ou simpática, mas que tivesse a ver com cada um de nós, com os nossos sentimentos, com as nossas aspirações e com o nosso sofrimento.Bailarinos muito maduros, integram o seu Ensemble e, cenicamente, com suas movimentações muitas vezes reduzidas, mas sempre precisas, sensíveis, e humanas chegam muito perto dos sentimentos das pessoas que estão sentadas na plateia.Com movimentos de braços, do torço e do plexo inigualáveis, seus intérpretes conseguem dosar, de maneira mais adequada possível, seus limites físicos, oferecendo os ingredientes para que o público trafegue dentro de seus medos, suas descobertas, seus chistes como partners.Pina Bausch faleceu na última quarta-feira, dia 30, em Wuppertal, cidade industrial e muito cinza, que abrigou seu elenco e todas as suas ideias inigualáveis ao longo das últimas quase quatro décadas. Sua perda inesperada será sentida por todas as pessoas próximas e por todo o público que esta criadora quase tímida, lânguida, que com seus olhos de um azul profundo, cativou por todos os lugares em que passou.O público porto-alegrense conheceu seu trabalho em 1980 (Sagração da Primavera -1975) e se maravilhou em 2006 com a obra Para as Crianças de Ontem, Hoje e Amanhã (2002), que foi apresentado no Porto Alegre em Cena.* Doutora em Artes pela UNICAMP-SP, e professora na mesma universidade. Bailarina, coreógrafa, pesquisadora, pedagoga em dança licenciada pela Hochschule Für Musik Köln, na Alemanha. Convidada pela bailarina e coreógrafa alemã Susanne Linke, estudou na Folkwang Hochschule(1985), escola dirigida por Pina Bausch, localizada em Essen, Alemanha, cidade onde também viveu e atuou profissionalmente entre 1985-2004.
Dica do André: Quem puder leia o texto que Caetano Veloso escreveu no Estadão sobre a coreógrafa. Muito singelo.